terça-feira, 28 de dezembro de 2010

GOSTO PELAS COISAS SEM COMPROMISSO

Aí o dia se fez sem querer,
Brincando entre folhas e formigas no quintal,
Sem falar dos pássaros e a imensidade das árvores
Corpadas, distintas, multiformes...
Deu por si e a manhã passou em sanhaçu.
O interior das panelas murmurava
E a cozinha era um cheiro só de delícia.
Largou o barro, se deixou da terra,
Pediu licença às formigas e correu como se voasse
E entrou voando em casa ligeiro tal beija-flor beijoqueiro
E aquietou-se ao pé da mesa
Esperando o agrado da mãe.
Esse menino tinha um certo gosto de emendar
Uma coisa na outra
E largá-las no espelho da cama para tecer seus sonhos.
Uma vez ele disse a mãe que borboleta é cor voando,
A mãe disse que isso é um vareio da imaginação,
Outra vez disse que quando as formigas querem se perder elas criam asas,
A mãe franziu a testa e disse
Que esse menino realmente tinha gosto para variações,
Não é que ela tava certa.



Diego Rocha
14/12/2008

COMUNICADO III – POEMA DE TRANSGRESSÃO

Prova a minha boca no teu ouvido
Faz-me sentir teu sussurro gritando no teu ventre
Nós dois sabíamos que os sonhos não podem se misturar com a carne
Você estava tão angelical, mesmo tendo uma neblina rasteira nos olhos
Tua mão fria ai abrindo as portas do meu corpo virgem
A minha boca provava o néctar milenar do teu gozo
Eu ainda te sinto, cravando em meu peito tuas unhas
Teu cabelo deslizando sobre a cama
E teu corpo contraindo-se junto com o meu
Os nossos encontros não se diluíram com o tempo na minha memória.

Minhas amantes como eu me dei a vocês e agora não sou nada,
Quando eu me procuro, me perco em nossas noites e quando volto, volto sozinho
Eu ainda estou aqui!
Com o velho olhar perdido no nada, esperando o ranger da porta anunciar alguma novidade,
O que vocês fizeram com todas aquelas promessas?
Com quem vocês alcançaram seus sonhos?
Não há dor maior do que não sentir nada,
Devolvam-me as promessas que fiz a vocês,
Os sonhos que construímos.
Quando abro a minha janela só vejo vocês e uma meia dúzia de filhos nunca nascidos.
Eu estou falando só outra vez.
Meus professores e minha família acham que eu estou muito bem
Mas eles não sabem que eu não servirei as Forças armadas porque minhas continências acabaram
Vocês estão me ouvindo?
Vocês foram e eu fiquei estagnado no cu da Maquinaria
Penteando o passado com as unhas encravadas do destino
Eu não sei onde estou indo
O que significa Diego Rocha na sua lista?
Toda vez que passo em frente à Tabacaria sinto teu cheiro, ó puta do século XXI
Vá se ferrar com seus gingos ocos de beleza e beleza
Sua carcaça esta enferrujada nas minhas veias enquanto eu fomo a tua excreção
Você pensa que eu esqueci quando nois dois éramos jovens e transávamos por todos os cantos
E agora você se prostitui para outro garoto enquanto eu mastigo os textos de Carl Sagan na tua porta dos fundos
Eram tão verdadeiros aqueles dias
Fui eu quem envelheceu durante todos esses anos
Onze de Dezembro de 2007, o que ouve, por que você me deixou só?
Eu estou tentando me equilibrar, mas todo mês as prateleiras permanecem e os preços aumentam
O que você fez com as nossas plantações?
O que vocês fizeram com nossos índios? Vocês queimaram todos?
Vá pro inferno com seu congresso!
Eu te dei tudo e agora não sou nada.

Diego Rocha
11/12/07

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

CICLO

Para minha querida companheira Mayara Castro



A flor bruta que habita em teus olhos
É tão misteriosa quanto a noite de um deserto.
Hoje você faz 23 anos menina,
Vejo teus olinhos querendo brincar,
E o mar que há em teu sorriso vir banhar-nos de alegria,
Devias vim ver menina,
Quantos homens nasceram á teus pés,
Quantos morreram,
Quantos se descobriram homens
E quantos se machucaram por serem homens.
Lembra-te de teu pai menina,
Lembra-te de tua mãe,
Lembra-te de teus filhos,
Lembra-te.
Hoje menina, também és mulher,
De garra e fibra,
De sangue e dor,
De medo e lágrima.
Abrace teus sonhos e não deixe que eles escapem,
Pois o rio de tua vida
Só escapará quando você não mais o desejar.

Diego Rocha
05/03/2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A MÃO INTANGIVEL DO AVESSO

A dias não tenho tempo de acontecimento, as horas se arrastam lesmamente durante o dia e a noite,
Por acaso achei uma lembrança escorada dentro de um livro, dez vezes relembrei, dez vezes li, dez vezes chorei.
Nós somos o passado e o futuro, não temos vinculo com o presente, hoje já não tenho o amor das tias, das avós, dos primos, hoje estou resistindo a minha própria existência, não tenho demora de conversações.
Meus amores estão todos fracassados e escritos em cima da mesa, minha bebida acabou, minhas amantes esqueceram o caminho de volta, meus amigos estão todos por aí, espalhados sabe lá Deus por onde.
Minha máquina Olivetti é a única coisa que ainda faz barulho neste quarto.
O universo se abriu na escuridão crepuscular, os sonhos de Vang Gogh e Antonin Artaud estão enferrujados dentro de uma garrafa de Whisky vazia.
Hoje eu pressinto a morte de todos os poetas, os mortos e os ainda vivos e me recuso a esperar para ver a minha.
A porta do possível e do impossível está escancarada, agora eu acredito que a verdadeira vida é a vida fora da matéria, em um ligeiro espaço entre o tudo e o nada é que nós existimos.
Minha mão trepida por abstinência, a consciência natural em que vivemos é limitada, eu quero sentir o infinito correr nos meus olhos, o inatingível tocar meu corpo, quero me embriagar lendo Bukkovisk, Ginsberg, Leno, Burroughs, Kerouac, Marcelo, Whitman, Raina, Neruda, Manoel de Barros, Augusto, O’Hara, Rimbaud, Tamyres, Fernando Pessoa, Arcanjo, Raine...
E por todos aqueles que não foram lembrados.


Diego Rocha

O GRILLO E MOZART

Tem alguma coisa nos grilos que chama a noite.
Uma vez criei um Grillo dentro de casa,
Enquanto ele cantava coloquei Mozart
Para ouvi-lo cantar em clássico.
Fiquei fascinado ao ouvir a opera do Grillo,
Ou diria a Grillada de Mozart?
O Mozart com a terra e o mato do Grillo e etc,
E o Grillo com as cordas e os metais de Mozart e etc.
Os dois se completavam tão bem
Que quando o Grillo se calou
Eu só consegui ouvir Mozart no silêncio.


Diego Rocha

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Das Coisas (Capa e comentários)




"É preciso abeirar com os olhos o nada" é o primeiro verso que logo nos arremessa na intensidade onírica de sua construção como uma inscrição na tez cotidiana.

João Leno Lima



Neste livro,Diego Rocha prova conhecer muito bem a seriedade que se oculta no compromisso de brincar com as letras. Brincar para, desse condão lúdico, criar madura beleza e lirismo. Adora fazer pique esconde entre sílabas, frases, versus. Pois Diego compreende tal desafio e não se faz de rogado. Corre aqui e ali atrás de originalidades. Pula lá e acolá para alcançar imagens. Agacha-se no segredo das simplicidades para surpreender-nos a leitura com puro encantamento.

Carlos Corrêa Santos



Viajando nos poemas do livro “Das Coisas” pude ver o quanto nos distanciamos do amanhecer de nossa existência, da nossa substância magnífica, dos brinquedos que adorávamos como a um Deus, da vida sempre nova e criativa, da nossa mente constantemente fértil, das brincadeiras que nos faziam transcendentes e donos de uma arte pura, que conforme vamos crescendo, ou melhor “adultecendo”, vamos perdendo de vista os peixes que nadam rente ao fundo deste manancial.

Antonio Marcelo

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Nas tardes onde deito ao pé de mim mesmo
É porque o pensamento é de bugre
E chove dentro dos vasilhames que ficam jogados no fundo do quintal.
No muro de casa existem três camadas de gente,
Meu vizinho disse que de noite é possível catar conversas pela parede,
Que o barro serve para umedecê-las e tratar da pose de lagartixa,
Quando não há visita fico besta de conversar com os grilos
E ouvir de seus “cri-cri-cris” uma verdade única,
Como uma criança que alcança os olhos de alguém com apenas um sorriso,
Agora chove fino no telhado de barro que resiste lentamente ao Sol,
Na biqueira das telhas tem uma sabedoria de moleque
Que quando molha, não há que se fazer nada se não deixar-se.
Dentro de casa é assim, as paredes se comunicam entre o teto e o chão,
Minha casa não parece saber ser igual às outras,
É de chover dentro, de guardar ninhos, de amadurecer aranhas,
É pequena para o necessário, confortável para o convívio,
E é tão bem feita que basta eu morar nela.

Diego Rocha do livreto “Andrajos”
17/02/2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Chuveu tanto ontem
que até brotou sapos e rãs e gias
Por enre os dedos dos pés de Abutiram
E passaram a viver lá com tal verdade
que se deu por ficar resolvido o assunto,
Abutiram parecia ter tino para coisas desinventadas,
de torto suas ideias cabiam no bolso,
Tinha vicio de catar esquecimentos,
Andava sempre de descaso
E nunca reclamava de ter que abrir o dia com a ponta da enchada.
Até que Abutiram passou de homem a vegetal com tal destreza só para namorar as borboletas.

Diego Rocha
05/10/2010